sábado, 28 de março de 2015

DO TERCEIRO AO PRIMEIRO MUNDO NUMA GERAÇÃO - Por João Ramos e Jorge N. Rodrigues (in Expresso de 28/3/2015)

DO TERCEIRO AO PRIMEIRO MUNDO NUMA GERAÇÃO

O fundador de Singapura, Lee Kuan Yew, faleceu esta semana deixando um modelo de “milagre económico” que serviu de inspiração para a mudança na China. Mas o “leão” do estreito tem os seus calcanhares de Aquiles.


Com a morte do fundador Lee Kuan Yew, uma das cidades-estados mais ricas do mundo voltou à ribalta. É o caso mais espantoso de ‘salto’ de uma condição terceiro-mundista para um nível de Primeiro Mundo em apenas uma geração, como o próprio Lee escolheu para título de um dos seus livros de memórias.

Com uma área insular inferior à ilha da Madeira, a cidade (pura em sânscrito) do leão (singa) tornou-se o líder em PIB per capita do ‘clube’ dos “tigres” asiáticos. De 20% do PIB norte-americano em paridade de poder de compra, aquando da autodeterminação deste porto estratégico em relação ao império britânico, em 1959, Singapura regista hoje perto de 120%. Se comparada com a Jamaica, outra colónia britânica que ganhou a independência em 1962 e que tinha então um PIB similar, a cidade do leão regista hoje uma economia 20 vezes superior. É considerada a 8ª economia do mundo mais inovadora, pelo índice anual da Bloomberg, e o 7º estado menos corrupto à escala mundial, segundo a Transparência Internacional.

O modelo parlamentar de um só partido até 1981 baseado num planeamento estratégico por parte do Governo e alavancado em empresas ligadas ao Estado em setores estratégicos, seduziu – e ainda seduz – muitos governos e políticos. O porto estratégico criado pelos britânicos nos Estreitos foi potenciado pela visão política de Lee. A pequena cidade tornou-se um nó das multinacionais em diversas cadeias de fornecimento mundial. O porto ganhou a liderança internacional desalojando os holandeses. Hoje, Singapura é a terceira economia mais aberta do mundo, com as exportações e reexportações a valerem 190,5% do PIB.

Uma das influências de maior peso do ‘modelo’ de Singapura foi junto da China. O obreiro da mudança chinesa, Deng Xiaoping, ficou impressionado quando visitou a cidade-estado em 1978. Em abono da verdade, os arquitetos do ‘milagre’ económico de Singapura foram um doutorado em Economia, Goh Keng Swee, vice-primeiro-ministro de Lee entre 1973 e 1984, que acabou por ser, também, um dos conselheiros da estratégia económica chinesa, e Albert Winsemius, um conselheiro holandês das Nações Unidas, recorda-nos Linda Lim, nascida em 1950, doutorada pela Universidade de Michigan (EUA) em 1978, onde é professora de estratégia desde então.



Modelo político ainda atrai

“No Ocidente sempre se apreciará Lee Kuan Yew com um ‘sim, mas’”, diz-nos o futurista John Naisbitt, o criador das “megatendências” nos anos de 1980 e atualmente radicado com a mulher, Doris, na cidade chinesa de Tanjing. “No nosso último livro publicado em janeiro, ‘A Mudança do Jogo Global’, dedicamos um capítulo ao desempenho dos governos em contextos de mudança. Porque não aproveitar a morte de Lee para fazer uma pausa e refletir sobre a comparação dos governos europeus e Singapura? Sim, temos liberdades que os cidadãos de Singapura não têm, mas isso também tem um preço”.
“Para quem cá vive a perceção do défice democrático não existe ou não é visível. As regras são claras e razoáveis e a aplicação da lei é igual para qualquer cidadão”, diz-nos Carlos Lopes, diretor-geral da área de consumo e canal da Microsoft para a região da Ásia Pacífico, um expatriado português que vive na cidade-estado desde 2008. O Governo de Singapura desenvolveu inclusive uma estratégia de captação de talento estrangeiro que designa por PMET (acrónimo em inglês para profissionais, gestores, executivos e tecnólogos), o que é favorecido pelo facto de a cidade se ter transformado em sede regional de multinacionais e laboratórios de Investigação e Desenvolvimento e no segundo centro financeiro de offshore de Renminbi (a divisa chinesa).



Mais do mesmo já não dá

Mas o que ainda é designado por “modelo de Singapura” sofreu já muitas mudanças desde que Lee saiu de primeiro-ministro em 1990 e passou a “ministro sénior” e, depois, a “ministro mentor” em 2004 quando o seu filho Lee Hsien Loong tomou o lugar de chefe do Governo. Os sinais da economia são preocupantes. O crescimento do PIB desceu para 2,1% em 2014 e não deverá ultrapassar o patamar dos 3% mas previsões do FMI para 2015 e 2016, um nível inferior aos dos outros três “tigres” asiáticos (Hong Kong, Coreia do Sul e Taiwan). A produtividade decresceu 0,8% em 2014. “A baixa produtividade ao longo de várias décadas é o verdadeiro calcanhar de Aquiles”, diz Linda Lim. Acrescem as tensões geradas por um modelo que se baseia num exército de mão-de-obra imigrada não residente, de baixas qualificações, que passou de 311 mil em 1990 para 1,6 milhões em 2014.

O ponto de viragem político, refere Linda Lim, ocorreu com as eleições gerais de maio de 2011, quando o Partido de Ação Popular criado por Lee desceu para 60% dos votos, o que permitiu a eleição de deputados por um partido da oposição: o Partido dos Trabalhadores, com cerca de 13% dos votos, conseguiu eleger sete deputados. A economista tem chamado a atenção desde há muito tempo para a necessidade de não continuar a fazer “mais do mesmo”.





























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