DO
TERCEIRO AO PRIMEIRO MUNDO NUMA GERAÇÃO
O fundador de Singapura, Lee
Kuan Yew, faleceu esta semana deixando um modelo de “milagre económico” que serviu de inspiração para a mudança na China.
Mas o “leão” do estreito tem os seus calcanhares de Aquiles.
Com a morte do fundador Lee
Kuan Yew, uma das cidades-estados mais ricas do mundo voltou à ribalta. É o
caso mais espantoso de ‘salto’ de uma condição terceiro-mundista para um nível
de Primeiro Mundo em apenas uma geração, como o próprio Lee escolheu para
título de um dos seus livros de memórias.
Com uma área insular inferior
à ilha da Madeira, a cidade (pura em sânscrito) do leão (singa) tornou-se o
líder em PIB per capita do ‘clube’
dos “tigres” asiáticos. De 20% do PIB norte-americano em paridade de poder de
compra, aquando da autodeterminação deste porto estratégico em relação ao
império britânico, em 1959, Singapura regista hoje perto de 120%. Se comparada
com a Jamaica, outra colónia britânica que ganhou a independência em 1962 e que
tinha então um PIB similar, a cidade do leão regista hoje uma economia 20 vezes
superior. É considerada a 8ª economia do mundo mais inovadora, pelo índice
anual da Bloomberg, e o 7º estado menos corrupto à escala mundial, segundo a
Transparência Internacional.
O modelo parlamentar de um só
partido até 1981 baseado num planeamento estratégico por parte do Governo e
alavancado em empresas ligadas ao Estado em setores estratégicos, seduziu – e ainda
seduz – muitos governos e políticos. O porto estratégico criado pelos
britânicos nos Estreitos foi potenciado pela visão política de Lee. A pequena
cidade tornou-se um nó das multinacionais em diversas cadeias de fornecimento
mundial. O porto ganhou a liderança internacional desalojando os holandeses.
Hoje, Singapura é a terceira economia mais aberta do mundo, com as exportações
e reexportações a valerem 190,5% do PIB.
Uma das influências de maior
peso do ‘modelo’ de Singapura foi junto da China. O obreiro da mudança chinesa,
Deng Xiaoping, ficou impressionado quando visitou a cidade-estado em 1978. Em
abono da verdade, os arquitetos do ‘milagre’ económico de Singapura foram um
doutorado em Economia, Goh Keng Swee, vice-primeiro-ministro de Lee entre 1973
e 1984, que acabou por ser, também, um dos conselheiros da estratégia económica
chinesa, e Albert Winsemius, um conselheiro holandês das Nações Unidas,
recorda-nos Linda Lim, nascida em 1950, doutorada pela Universidade de Michigan
(EUA) em 1978, onde é professora de estratégia desde então.
Modelo
político ainda atrai
“No Ocidente sempre se
apreciará Lee Kuan Yew com um ‘sim, mas’”, diz-nos o futurista John Naisbitt, o
criador das “megatendências” nos anos de 1980 e atualmente radicado com a mulher,
Doris, na cidade chinesa de Tanjing. “No nosso último livro publicado em
janeiro, ‘A Mudança do Jogo Global’, dedicamos um capítulo ao desempenho dos
governos em contextos de mudança. Porque não aproveitar a morte de Lee para
fazer uma pausa e refletir sobre a comparação dos governos europeus e
Singapura? Sim, temos liberdades que os cidadãos de Singapura não têm, mas isso
também tem um preço”.
“Para quem cá vive a perceção
do défice democrático não existe ou não é visível. As regras são claras e
razoáveis e a aplicação da lei é igual para qualquer cidadão”, diz-nos Carlos
Lopes, diretor-geral da área de consumo e canal da Microsoft para a região da
Ásia Pacífico, um expatriado português que vive na cidade-estado desde 2008. O
Governo de Singapura desenvolveu inclusive uma estratégia de captação de
talento estrangeiro que designa por PMET (acrónimo em inglês para
profissionais, gestores, executivos e tecnólogos), o que é favorecido pelo
facto de a cidade se ter transformado em sede regional de multinacionais e
laboratórios de Investigação e Desenvolvimento e no segundo centro financeiro
de offshore de Renminbi (a divisa
chinesa).
Mais
do mesmo já não dá
Mas o que ainda é designado
por “modelo de Singapura” sofreu já muitas mudanças desde que Lee saiu de primeiro-ministro
em 1990 e passou a “ministro sénior” e, depois, a “ministro mentor” em 2004
quando o seu filho Lee Hsien Loong tomou o lugar de chefe do Governo. Os sinais
da economia são preocupantes. O crescimento do PIB desceu para 2,1% em 2014 e
não deverá ultrapassar o patamar dos 3% mas previsões do FMI para 2015 e 2016,
um nível inferior aos dos outros três “tigres” asiáticos (Hong Kong, Coreia do
Sul e Taiwan). A produtividade decresceu 0,8% em 2014. “A baixa produtividade
ao longo de várias décadas é o verdadeiro calcanhar de Aquiles”, diz Linda Lim.
Acrescem as tensões geradas por um modelo que se baseia num exército de mão-de-obra
imigrada não residente, de baixas qualificações, que passou de 311 mil em 1990
para 1,6 milhões em 2014.
O ponto de viragem político,
refere Linda Lim, ocorreu com as eleições gerais de maio de 2011, quando o
Partido de Ação Popular criado por Lee desceu para 60% dos votos, o que
permitiu a eleição de deputados por um partido da oposição: o Partido dos
Trabalhadores, com cerca de 13% dos votos, conseguiu eleger sete deputados. A
economista tem chamado a atenção desde há muito tempo para a necessidade de não
continuar a fazer “mais do mesmo”.
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