domingo, 26 de agosto de 2018

Ilha da Culatra (uma população de luta)




1 - A ILHA DA CULATRA: DO SEU INICIO A 1987

“A origem do povoamento da Culatra levanta algumas dúvidas, existindo relatos que mostram que, pelo menos no século XVI, havia um povoamento temporário na Ilha dos Cães que, pela sua localização, pensa-se que seja a Ilha da Culatra, onde foram colocados de quarentena pessoas vindas de Arzila, Marrocos, onde grassava um grande peste.
Mais tarde, em 1755, existem relatos da existência de cordões arenosos que constituíram uma barreira à fúria das águas do mar e que protegeram Faro do terramoto e o maremoto que a seguir se fez sentir, o que provocou grandes alterações na extensão e configuração das Ilhas. Só em 1772 é que a Ilha da Culatra aparece representada nas cartas cartográficas.

O povoamento permanente da Ilha da Culatra começou com as armações, por volta do ano de 1850. No tempo das armações do atum e da sardinha os primeiros pescadores, oriundos de vários pontos do país, começaram por ocupar a ilha temporariamente para trabalhar, foram descobrindo as potencialidades da ria a nível de peixe e marisco e foram-se fixando, constituindo família, criando melhores condições de vida…”










Fotografia editada na década de 1940 e tirada provavelmente na Culatra, onde se vêem cabanas muito semelhantes às utilizadas pelos primeiros olhanenses (Fonte: Passos, José Manuel Silva – O Bilhete Postal Ilustrado e a História Urbana do Algarve – Caminho, 1995)




2 - UM OLHAR DA SENHORA SILVIA PADINHA SOBRE A ILHA ATÉ AOS TEMPOS DE 1987 in Jornal Público de 24/8/2013

Nasceu e cresceu num Algarve que não era o da grande construção e do turismo de massas. Vive ainda num Algarve de pesca tradicional, que manteve a identidade, e quer continuar a lutar pela ilha da Culatra.
O cais já estava enfeitado com ramos de palmeira para a festa da Nossa Senhora dos Navegantes que ia acontecer daí a poucos dias, no primeiro fim-de-semana de Agosto, os barcos saindo todos floridos na procissão.

Reparo que os barcos dos pescadores já não estão na praia como estavam quando vim à ilha da Culatra pela primeira vez há 10 anos, mas que foi construído um pequeno porto de abrigo.














Porto de Abrigo


O primeiro edifício, quando se chega à Culatra, é a capela onde está precisamente a imagem da Nossa Senhora dos Navegantes.











Capela da Nossa Senhora dos Navegantes



 Depois começa-se a entrar pelas casas, todas de rés-do-chão, com um pequeno espaço exterior à frente onde normalmente há uma mesa e cadeiras ou um banco corrido, para passar tempo à porta de casa. As ruas são feitas de grandes pedras colocadas uma a uma em longas passadeiras, a fazer lembrar caminhos de jardim, mas aqui sobre areia.



Todos os caminhos vão dar à praia. Mar, mar, mar. Uma ilha, portanto. Mas uma coisa é saber o que é uma ilha, outra coisa é estar aqui e outra coisa ainda deve ser ficar aqui e ver o último barco para Olhão partir antes das 9 da noite. Dormir sabendo que a terra se interrompe.
Não há carros na Culatra. Aqui as pessoas usam barco. As pessoas dizem "em terra" para falar de Olhão, do Algarve, de Portugal. Nós estamos em terra. Eles estão no mar. São cerca de 400 famílias. Já se achou que eram uma aberração na natureza intocável da Ria Formosa. Depois percebeu-se que as pessoas podiam coexistir com a natureza, respeitá-la. São épocas, modos de usar o que Deus nos deu. Deus deu-nos a capacidade de aceitar e deu-nos também a capacidade de lutar. Os habitantes da Culatra aceitaram durante muito tempo, e muito tempo até depois do 25 de Abril, não ter luz elétrica pública, não ter água potável, não ter saneamento, ter pouco acesso à saúde e à educação. Depois começaram a lutar.
Uma ilha deste tamanho já não é uma ilha, é um barco. Se afundar, afundam todos. Talvez seja isso que dá um sentido de união extraordinário às pessoas da Culatra. Mantém uma comunidade piscatória. Fazem pesca tradicional.


E os jovens continuam a querer fazer pesca e a serem viveiristas, como é o filho de Sílvia, com 24 anos. E, o que é ainda mais raro, os jovens querem ficar no sítio onde nasceram, lutam para ficar na ilha.














Viveiristas


 Talvez sejam também assim unidos porque veem que é difícil que, quem é de fora, de terra, os compreenda; o seu dia-a-dia é diferente do das pessoas em terra e sempre será, mesmo que já tenham luz, água potável, saneamento, um centro de saúde, uma boa escola, um parque infantil e até um heliporto, que está agora a ser construído, para atender a emergências médicas.















Sílvia Padinha é a presidente da Associação de Moradores da Ilha da Culatra. Encontrámo-nos num dos restaurantes-cafés logo à saída do cais. É uma mulher muito bonita, longos cabelos, longas pernas. Quando começa a falar sobre ela própria fala da ilha e vice-versa, é quase impossível separá-las. É uma mulher com uma causa e isso dá-lhe uma força de carácter que é imediatamente visível mas também lhe dá, como a toda a gente que vive para uma causa, um ar solitário.
Tem, pendurado ao pescoço, um peixe prateado e há naquele colar uma afirmação, um fervor quase religioso.

Inverno
Na ilha, o Inverno pode ser medonho e ela nasceu numa dessas alturas em que não se podia sair nem para olhar o céu. Os barcos à vela e a remos, ainda quase ninguém tinha barco a motor, estavam todos na praia, e ninguém se atrevia a sair ou a chegar. Onde estavam os barcos, junto da ria, podia ouvir-se o som do oceano do outro lado da ilha. Sem possibilidade de ir nascer ao hospital em Olhão, Sílvia Padinha nasceu, em Fevereiro de 1966, em casa, na ilha. Era assim que tinha nascido o seu pai e também a sua avó paterna, em 1902. Tinha começado a viver gente na Culatra - famílias que trabalhavam nas armações de pesca - a meio do século XIX.
A família dela estava na Culatra desde o início do século XX, mas continuava a ser algo especial nascer ali, num sítio que tinha sido tanto tempo selvagem, como se cada vida implicasse ainda uma conquista ao mar. Conforme ela fosse crescendo, começando a pôr-se de pé, primeiro a andar e depois a correr na areia da ilha, iria percebendo como era extraordinário que a própria ilha estivesse de pé.
Cresceu com quatro irmãos. Os pais faziam pesca de pequena escala e como quase todas as famílias na Culatra tinham depois o seu pedaço de viveiro, como uma parcela de uma quinta, onde semeavam a amêijoa pequena que apanhavam para colher daí a um ano, quando estivesse grande. "Está na hora", lembra-se da voz do pai como se viesse ainda de um sonho. O pai acordava-os quando a maré vazava, "está na hora", e ensonados iam apanhar amêijoa. Trabalhavam com frio e com chuva, se não fosse muita. Ainda que não chovesse, o Inverno, ali, como no mar, deixava o ar constantemente molhado. E pareciam piores as noites e as madrugadas, antes do sol nascer, a ilha toda à escura, iluminada só aqui e ali por algum candeeiro a petróleo. Só muito mais tarde é que percebeu como era estranho uma pessoa da sua geração saber como cheira um candeeiro a petróleo.

Verão
Na ilha, a Primavera era ainda mais alegre. Era já a antecipação das caras de Verão. No Verão, chegariam as pessoas da Culatra que viviam em terra, e chegariam todas as caras novas. Já faltava pouco para passar noites na praia. Na praia, faziam-se fogueiras, tocava-se música e davam-se beijos. Haveria tendas, poucas, mas cheias de vida nova e diferente. Vinham grupos de ingleses, alemães e outros estrangeiros à procura de um turismo selvagem, de um lugar em estado puro. Ao longo da sua adolescência, os turistas iam chegando, poucos mas apaixonados pela ilha, ali no extremo Sul de Portugal, quase em África. Eram completamente diferentes dos turistas que chegavam a Portimão e Albufeira, ou a Faro, até a Olhão.
Dali via-se os anos 80. A costa do Algarve crescia sem parar e a Culatra só não se modificava porque estava completamente esquecida.
Na Primavera, Sílvia trabalhava e estudava o mais possível para que o Verão fosse longo e desocupado. Gostava de estudar. Mesmo quando as aulas eram a olhar para uma televisão, através da telescola, gostava das aulas. Não queria parar de estudar, mas isso não foi, para ela, uma escolha. Havia carreira entre a Culatra e Olhão, mas com poucos barcos e os horários não eram compatíveis com os da escola secundária em Olhão.
Ainda assim, o seu 6.º ano era mais escolaridade do que a maior parte da população da Culatra e foi, mais tarde, fazer uma formação para poder dar aulas de alfabetização na Culatra. Portugal tinha acabado de entrar na Comunidade Europeia e havia então um esforço para que não houvesse pedaços de Europa a viver noutro tempo. Ela ficou espantada com a quantidade de adultos que não sabiam ler e escrever. Ficou comovida com a alegria das pessoas quando aprendiam a assinar o seu próprio nome, ela nunca tinha imaginado que pudesse ser tão importante saber assinar o próprio nome. Ensinou a sua mãe a ler e a escrever.
Tirou o 9.º ano, à noite, já casada e com um filho, em Olhão. Fez um curso profissional de Contabilidade, que equivalia ao 12.º. E, quase aos 45 anos, começou a estudar na Universidade em Faro.
Foi só quando saiu da Culatra, no final nos anos 80, depois de casar, que Sílvia se deu conta de tudo o que faltava na Culatra e também de tudo o que havia.
O 25 de Abril na Culatra aconteceu então no Verão de 1987, a 19 de Julho, quando se realizaram eleições legislativas, que seriam ganhas pelo PSD. Aníbal Cavaco Silva seria eleito primeiro-ministro. A Culatra não votou. Aquela união das pessoas impressionou-a. Vinha de se sentirem ameaçados. Os planos de preservação da natureza da ria contemplavam retirar todas as casas e todas as famílias de pescadores da Culatra. Foi só depois dessa primeira luta, que era pela sobrevivência, que os moradores começaram a reivindicar todos os outros direitos que lhes faltavam. Só depois disso, poderiam pensar realmente em liberdade. Havia também, neste movimento e no seu envolvimento na defesa da identidade da Culatra, um movimento para a sua própria liberdade, como mulher, de viver focada naquilo que ela podia fazer por todos e não só pelos seus.

Outono
A travessia para Olhão demora cerca de meia hora. No dia em que visitei a Culatra, Sílvia Padinha ia começar, ao princípio da tarde, uma das visitas turísticas que faz na ria Formosa, e tivemos que correr do almoço para apanhar o barco.
Na ilha, quando chega o Outono, normalmente fica só quem vive todo o ano. Talvez por essa teimosia em não querer ver o Algarve como um lugar sazonal, foi no Outono que Sílvia fez a primeira excursão à ria Formosa, levando um grupo do Inatel. Começou o negócio há 10 anos, já depois de ter regressado à ilha para viver, quando percebeu que os turistas que visitavam não sabiam nada sobre as ilhas nem sobre a ria. Essa, pensou, era a melhor maneira de proteger a natureza e os próprios pescadores: o conhecimento.
É difícil não pensar em grandes forças cósmicas, e até mágicas, numa ilha assim. "A Culatra", diz Sílvia Padinha, "tem a mão de Deus em cima." Não o diz por ser particularmente religiosa, não o é e não é praticante, mas por observar a maneira como as pessoas resistem. E ter visto, ao longo dos seus 47 anos, como não acontecem maiores desastres a um povo que está à mercê de todo o tipo de intempéries.
No barco, contou que toda a sua família vive na ilha e todos os dias os irmãos e as suas famílias se encontram ao almoço em casa da mãe. Sente que são uns privilegiados. Ela precisou de sair da Culatra durante alguns anos para perceber isso. De Olhão, via a Culatra e assim, à distância, via coisas que nunca tinha visto.
Na travessia entre a Culatra e Olhão é quando melhor se vê que há dois Algarves. Um enorme, ocupando monstruosamente quase toda a costa com prédios, néons, programas de entretenimento, centros comerciais. E outro Algarve, pequeno, possível, com uma identidade e uma história própria, sobrevivente dos verões.



3 - 1987: A GRADE MUDANÇA

“Para falar do poder reivindicativo da população da Culatra tenho de recuar no tempo, mais concretamente ao ano de 1987, 19 de julho, que passou a ser festejado anualmente como “O Dia Da Ilha”, uma data inesquecível para a população culatrense.
Na madrugada do dia 19 de Julho de 1987, dia de eleições legislativas, um grupo de amigos cansados de promessas, tomaram a iniciativa de tocar os sinos da Igreja da Culatra, juntando a população em geral, velhos e novos, saíram à rua e depressa tomaram uma decisão consensual, a de nunca mais votar enquanto o poder político não começasse a cumprir as promessas feitas em campanhas eleitorais. Promessas de melhorar as condições de vida na Ilha, nomeadamente a rede de energia elétrica, saneamento básico, barco ambulância, porto de pesca, legalização das habitações, entre outras.
Esta data representa para todos os culatrenses um marco importante nas suas vidas. Foi o primeiro boicote eleitoral da população e outros se seguiram, o que fez com que a Ilha da Culatra nunca mais fosse a mesma, ganhou poder reivindicativo, a comunidade amadureceu e organizou-se e a partir desse dia foi criada a Associação de Moradores da Ilha da Culatra, que até hoje tem sido fiel aos objetivos que determinaram a sua criação: “UNIÃO, FORÇA E DETERMINAÇÃO”, para lutar por uma melhor qualidade de vida para todos…”
In http://adefesadefaro.blogspot.com/2010/02/dialogos-na-cidade-com-silvia-padinha.html



A FORÇA DA ASSOCIAÇÃO DE MORADORES DA ILHA DA CULATRA

Pois bem, para uma forma que penso ser a mais acertada de ver o que tem sido feito graças a esta associação, podemos ir acompanhando através da sua página do facebook: https://www.facebook.com/associacaomoradoresculatra/


Acerca da eletricidade: por Correio da Manhã de 8/8/2017


A EDP instalou um gerador na ilha da Culatra, concelho de Faro, que lá irá ficar em permanência para colmatar as cada vez mais constantes falhas de energia que têm afetado os moradores, comerciantes e milhares de turistas que visitam os núcleos habitacionais locais. Entretanto, os técnicos da EDP têm estado no terreno a analisar se vão substituir ou reparar o cabo elétrico - instalado em 1992 - que serve esta ilha e a da Armona e que tem provocado as recorrentes falhas por falta de manutenção. "É uma boa notícia. Estamos mais descansados, porque mesmo que aconteça um problema no cabo já não vamos ficar várias horas e às vezes mais de um dia à espera que transportem os geradores para a ilha", diz, ao CM, Sílvia Padinha, da associação de moradores da Culatra. As situações de falta de eletricidade já aconteceram por duas vezes desde o início deste ano (em março e junho), mas "têm sido cada vez mais constantes nos últimos anos", acrescenta. "Cada vez que há falhas fecham os nove restaurantes e cafés e três minimercados e são afetadas 400 famílias na Culatra, criando muito prejuízo financeiro. Além da má imagem que passa aos milhares de turistas que nos visitam", lamenta ainda Sílvia Padinha, lembrando que a ilha da Armona também é afetada, bem como parte do núcleo habitacional do Farol. O gerador foi instalado na semana passada e vai funcionar em situações de emergência.
Vai lá ficar enquanto a EDP não arranjar uma solução definitiva para o problema do cabo elétrico subaquático que vem do continente e precisa de ser reparado ou mesmo substituído



Saneamento básico:


Ilha da Culatra já tem saneamento básico 20 anos após primeiro pedido da população



 



RUI GAUDÊNCIO


Vinte e anos depois do primeiro pedido, os habitantes da Ilha da Culatra, na Ria Formosa, no concelho de Faro, têm oficialmente, a partir de ontem, acesso a água e saneamento básico, deixando para trás o recurso a poços, reservatórios e tanques.
A ligação da rede em baixa dos núcleos da Culatra e Farol aos sistemas multimunicipais de abastecimento de água e saneamento do Algarve vai servir cerca de 1000 pessoas e 400 casas e custou oito milhões de euros, valor que, segundo o presidente da câmara de Faro, Macário Correia, é “dos maiores investimentos per capita realizados para levar água a uma população”.
A obra foi realizada pela empresa Águas do Algarve e permite que a população da ilha do concelho de Faro abandone os poços, reservatórios e tanques, que utilizava para dispor de água nas habitações, e as fossas que serviam para acumulação de resíduos.
Fica, assim, concluída a primeira fase do investimento, que inclui o abastecimento a associações e instituições públicas e a estabelecimentos comerciais, e agora vai iniciar-se a segunda, que levará as ligações às casas particulares. “A água já está ligada aos estabelecimentos comerciais e às instituições públicas e nos próximos dias as ligações vão continuar, os contadores vão sendo postos, os contratos celebrados e as ligações feitas todos os dias úteis até a questão ser resolvida”, explicou o autarca.
A água e o saneamento básico chega à Culatra cerca de 12 anos depois de a luz elétrica ter chegado à ilha. Macário Correia sublinhou que “mais vale tarde que nunca”. “O que é facto é que o Natal de 2009 na Culatra já tem mais um contributo, mais um melhoramento. Outros terão que se seguir, esta gente merece, vive em dificuldades, isolada e de resto é a ilha de Portugal com mais habitantes, tirando as regiões autónomas da Madeira e dos Açores”, sublinhou, acrescentando que “a população da Culatra é mais numerosa do que a da ilha do Corvo, nos Açores”.
Para Sílvia Padinha, presidente da Associação de Moradores da Culatra, a chegada da água e do saneamento à ilha “é uma vitória para a população, depois de muitos e muitos anos de luta”. “Hoje é um grande dia, é uma vitória de todos os culatrenses que lutaram por uma necessidade básica. Parece impossível que em pleno século XXI e num país que se diz desenvolvido ainda seja necessário esperar 12 anos para conseguir trazer uma necessidade que é básica”, afirmou a dirigente associativa.
Padinha disse que ao longo de todo o processo, que passou por quatro presidentes de câmara (Luís Coelho, José Vitorino, José Apolinário e Macário Correia), chegou a “desesperar” e a “duvidar” de que a obra se concretizasse, sobretudo depois de problemas técnicos que “obrigaram a que fosse encontrada uma solução alternativa e provisória”.
“Esta primeira fase começou na semana passada e foi concluída rapidamente. Na próxima semana vamos pedir que se inicie já a segunda fase, com a ligação a todas as casas, independentemente do projeto de requalificação para a ilha da Culatra”, garantiu Padinha. “Independentemente do que vier a acontecer, e essa vai ser outra luta, temos água na Culatra e queremos que seja ligada a todas as casas”, sublinhou Padinha.



4 - LEGISLAÇÃO EFETUADA NO PERÍODO PÓS-1987

Decreto-Lei nº 373/87, de 9 de dezembro, (mais tarde alterado pelo Decreto-Lei nº 99-A/2009, de 29 de abril.) criou o Parque Natural da Ria Formosa traçando-lhe como objetivos primeiros a proteção e a conservação do sistema lagunar, nomeadamente da sua flora e fauna, incluindo as espécies migratórias, e respetivos habitats.
Ainda, pela necessidade de compatibilizar a proteção do património natural e cultural e um desenvolvimento socioeconómico sustentado também foram contemplados objetivos relacionados com: o apoio a atividades económicas tradicionais e a outras desde que compatíveis com a utilização racional dos recursos; com a promoção de atividades de recreio, lazer e turismo, tendo em conta as particularidades da área protegida e a sua capacidade de carga; e ainda, não menos importante, com a implementação de infraestruturas vocacionadas para a educação ambiental, de forma a sensibilizar a população residente e os visitantes para a necessidade de preservar os valores naturais e culturais e de que o Centro de Educação Ambiental de Marim é um excelente exemplo.
Caracterização
O Parque Natural da Ria Formosa caracteriza-se pela presença de um cordão dunar arenoso litoral (praias e dunas) que protege uma zona lagunar. Uma parte do sistema lagunar encontra-se permanentemente submersa, enquanto que uma percentagem significativa emerge durante a baixa-mar. A profundidade média da laguna é de 2 m.
Este sistema lagunar de grandes dimensões – estende-se desde o Ancão até à Manta Rota – inclui uma grande variedade de habitats: ilhas-barreira, sapais, bancos de areia e de vasa, dunas, salinas, lagoas de água doce e salobra, cursos de água, áreas agrícolas e matas, situação que desde logo indicia uma evidente diversidade florística e faunística.
A presença dos homens acompanha a Ria em toda a sua extensão materializando-se, sobretudo, em núcleos urbanos, construções isoladas e aldeamentos turísticos.
A pesca e as necessidades de defesa, eis duas das razões que juntaram os homens neste Sotavento Algarvio: Cacela, dominada pela sua fortaleza setecentista; Tavira, que já foi romana e árabe; a Fuzeta, que se originou num arraial de mareantes; Olhão, uma cidade que parece transposta de um qualquer Norte de África; Faro, provavelmente a Ossonoba de que falavam os antigos.



§  Portaria nº 6/88 de 6 de janeiro
Regula a constituição, formas de nomeação e de funcionamento dos Orgãos do PNRF.
 
§  Portaria nº 560/90, de 19 de julho
Aprova o regulamento de pesca na Ria Formosa.
 
§  Decreto Regulamentar nº 2/91, de 24 de janeiro
Aprova o plano de ordenamento e regulamento do PNRF.
 
§  Resolução do Conselho de Ministros nº 142/97, de 28 de agosto
Cria o Sítio “Ria Formosa - Castro Marim” (proposto para Sítio de Interesse Comunitário - SIC - Rede Natura 2000).
 
§  Decreto-Lei nº 384-B/99, de 23 de setembro
Cria a Zona de Proteção Especial para Aves Selvagens “Ria Formosa” (esta ZPE integra diretamente a  Rede Natura 2000).
 
§  Resolução do Conselho de Ministros n.º 78/2009
Aprova o Plano de Ordenamento do Parque Natural da Ria Formosa.





Zona costeira preservada… zona costeira vivida… zona costeira de recursos.

A Sociedade Polis Litoral Ria Formosa, S.A. – Sociedade para a Requalificação e Valorização da Ria Formosa SA – constituída entre o Estado e os municípios de Loulé, Faro, Olhão e Tavira, foi criada no âmbito do Polis Litoral — Operações Integradas de Requalificação e Valorização da Orla Costeira — e visa a gestão, coordenação e execução do investimento a realizar na Ria Formosa, na área e nos termos definidos no Plano Estratégico, elaborado para o efeito.
A área de intervenção objeto deste Plano Estratégico é de 19.245 ha, abrangendo uma extensão de 48 km de frente costeira e em 57 km de frente lagunar, incidindo na área protegida do Parque Natural da Ria Formosa, nos municípios Loulé, Faro, Olhão, Tavira e Vila Real de Santo António.
O Plano Estratégico tem por objetivos: 
§  constituir-se como o plano operacional da Sociedade, onde se integra um conjunto de projetos/ações concordantes com as orientações estratégicas sectoriais e territoriais definidas para o Algarve, no quadro da política nacional e regional subjacente ao QREN e seus programas operacionais;
§  enquadrar e potenciar uma operação integrada, quer em termos de projetos/ações a realizar, quer em termos de atores públicos e privados a mobilizar;
§  desenvolver uma intervenção de requalificação e valorização desta zona costeira, de forma exemplar e diversificada, respondendo a situações de risco para pessoas e bens;
§  consubstanciar uma estratégia supramunicipal e intersetorial, consensualizada entre os diversos agentes relevantes; e
§  implementar uma estratégia integrada, coerente e de futuro para a Ria Formosa, assente em três grandes objetivos — zona costeira preservada, zona costeira vivida e zona costeira de recursos.



Programa POLIS Litoral Ria Formosa – Projetos estruturantes. Data: 3 de Dezembro de 2014
Proposta de Lei 98/XIII, que permitirá a regularização de situações de ocupação do domínio público hídrico sem o devido título de utilização num período até 30 anos, que deu origem à Lei 12/2018.


5 - Festa da Nossa Senhora do Navegantes e dia da Ilha



https://www.youtube.com/watch?v=-Mm3FJBh4Cw - 19 /7/2018. Dia da Ilha  no 31º da AMIC

Festa da Nossa Senhora do Navegantes - 2017




Festa da Nossa Senhora do Navegantes - 2018





6 - Culatra 2030



André Pacheco, Sílvia Padinha, Theo Moura e Luís Augusto Fontinha.

Culatra rumo à independência energética com projeto da Universidade do Algarve

A ideia vai ser apresentada pela equipa de Energias Renováveis Marinhas (MORE – Marine OffShore Renewable Energy Team) do Centro de Investigação Marinha e Ambiental (CIMA) da Universidade do Algarve (UAlg) durante o seminário «RIS3 Algarve: Caminhos para a Competitividade e Especialização Inteligente Regional», na quarta-feira, 14 de novembro, às 14h30, no Salão Nobre dos Paços do Concelho de Albufeira promovido pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR) do Algarve. Mas para já, André Pacheco e Cláudia Sequeira levantam um pouco o véu ao «barlavento».
«A principal entidade promotora é a Enercoutim, uma associação empresarial que tem desenvolvido várias soluções de protótipo demonstradoras de energia solar. É a que nos interessa captar. A energia eólica será complementar, mas o que será mais interessante neste caso é a criação de uma rede inteligente (smart grid) para a gestão dos recursos. Poderá utilizar a energia solar quando está no seu pico máximo disponível, e a eólica noutros casos. A solução que estamos a discutir não é instalar um aerogerador de grandes dimensões na Culatra. Estamos a pensar em soluções de micro-geração, integradas em série para produzir energia suficiente para o autoconsumo da ilha, num conceito de comunidade energética sustentável, que é um conceito inovador em Portugal», avança André Pacheco, investigador do CIMA.
O projeto surge em linha com o contributo da Comissão Junker para a Cimeira «Um planeta», que decorreu em Paris, em dezembro de 2017, mais precisamente a iniciativa «Energias limpas para as ilhas europeias» (medida 1.4).
«As ilhas são mercados pequenos e por isso são fulcrais enquanto locais onde podem ser testadas novas soluções para a transição energética, isto é, para a independência dos combustíveis fósseis. São uma oportunidade para testar novos conceitos que permitam a estas comunidades viver de forma autónoma. Soluções que podem vir a ser replicadas noutros municípios, ou num grande concelho divido em comunidades sustentáveis».
Por outro lado, a motivação «foi o querer trabalhar com a comunidade, e não apenas escrever artigos científicos e candidaturas a projetos. Tentar fazer qualquer coisa prática. Nesse sentido, acreditamos que a Universidade pode, com a ajuda do CRIA (Divisão de Empreendedorismo e Transferência de Tecnologia) e das estruturas de transferência de conhecimento, chamar empresas para nos ajudar a concretizar algo que é do seu interesse».
Além da Enercoutim «que nos apoiou bastante, temos o apoio da Iberwind» e poderão juntar-se mais parceiros. «Se conseguirmos efetivamente transformar isto num projeto emblemático, será mais fácil replicá-lo», considera André Pacheco. Por exemplo, «a Costa Vicentina tem um potencial eólico enorme. Um dos parques mais produtivos do país é o da Lagoa Funda, em Vila do Bispo. O Algarve tem de olhar para estes recursos. Não pode ser apenas um papel escrito, ou discutir a eficiência energética das unidades hoteleiras. Tudo isso é importante, mas temos de pensar nas comunidades, nas pessoas que vivem na região», sublinha.

Legalização do núcleo piscatório viabiliza o projeto

De certa forma, a ideia é «tentar fazer com que a Culatra deixe de ser compradora de energia e passe a ser produtora. O excedente poderá contribuir para a rede, ou para outros processos e soluções que poderão potenciar as atividades da ilha, mas de uma forma sustentável do ponto de vista ambiental», diz André Pacheco.
«O que imaginamos é algo que vai crescer. Como estamos a falar de um ambiente bastante sensível no Parque Natural da Ria Formosa, não vamos construir uma central solar em contexto de ilha-barreira. A ideia, ou sonho, a forma como idilicamente encaramos o projeto é termos uma central de autossuficiência, que significa gerar energia, armazená-la e reutilizá-la para outros processos», como por exemplo, a gestão e tratamento dos resíduos.
E até o turismo poderá vir a tirar partido. «Vamos imaginar que temos uma ilha verde. Passará a ser, um polo de atração. O projeto foi pensado no Algarve, numa ilha onde até há pouco tempo queriam tirar as pessoas de lá. É verdade que vivem numa zona de risco, mas tomam essa opção de viverem naquele local, seja pelas razões sociais, culturais, mas já que ali vivem, devem continuar a viver de forma sustentável e serem capazes de tirar o máximo proveito dos elementos».
Quando a equipa do CIMA começou a planear o projeto «uma das grandes dificuldades era saber se seria reconhecido à Culatra o estatuto de comunidade piscatória. Era uma dificuldade porque não vamos pensar numa central de energia renovável para uma ilha onde as habitações estavam ilegais e com grande probabilidade de virem a ser demolidas. Tínhamos consciência disso. Portanto, acabou por ser uma excelente notícia. Sabíamos que mais tarde, ou mais cedo, seria reconhecido o direito, histórico e cultural, daquelas pessoas ali viverem, enraizadas da forma como estão na Ria Formosa».
O primeiro passo será a realização de «um estudo de viabilidade económico-financeiro» para se chegar aos financiamentos que hoje estão disponíveis. «O projeto Culatra 2030 está alinhado com todas as políticas europeias, nacionais e regionais. Se não houver dinheiro para o executar, é porque há falta de vontade política», conclui André Pacheco.

Associação de Moradores com olhos postos no futuro

Ouvida pelo «barlavento», Sílvia Padinha, presidente da Associação de Moradores da Ilha da Culatra, confirma a intermitência no abastecimento. «A eletricidade chega através de um cabo subaquático que atravessa a Armona, parte da Ria Formosa e o cordão dunar da Culatra. Nos últimos anos temos tido algumas dificuldades porque o cabo já ultrapassou o tempo de vida útil. Houve uma altura em que as falhas de luz eram frequentes. Agora, caso aconteçam, temos um gerador disponível para qualquer situação de emergência», conta. Em relação a este projeto «ficámos muito felizes pelo facto da equipa do CIMA ter pensado na Culatra para implementar um projeto-piloto. Primeiro, porque vivemos dos recursos naturais e faz todo o sentido podermos aproveitá-los mais e melhor. A perspetiva de a vida na Culatra poder vir a ser sustentável e autónoma, fará com que possamos ficar mais protegidos em relação ao futuro, que terá de passar pelas energias renováveis», considera. «Qualquer pessoa que tenha sentido de responsabilidade em relação ao dia de amanhã, vê isto com interesse. Estamos entusiasmados. E a nível económico, também será bom reduzir os custos energéticos e aproveitar os excedentes».

Empowerment da comunidade local e oportunidade para a investigação científica

Cláudia Sequeira, docente do departamento de engenharia mecânica e investigadora do CIMA e especialista em energia eólica, não esconde a «empatia» pela Culatra. «Por causa da sua fragilidade, enquanto comunidade. Sabemos que há intermitência no abastecimento de energia. Não queremos isso. Pretendemos que as pessoas que lá vivem tenham o máximo conforto, como se estivessem em terra. Outro ponto-chave é que estamos inseridos numa Universidade e todos os equipamentos que iremos instalar servirão, no futuro, como elementos de estudo para formação avançada, por exemplo em teses de mestrado, doutoramento ou projetos finais de curso. Haverá sempre uma componente de investigação que tem a ver com energias marinhas, biocombustíveis, algas, biomassa, mas o foco principal são tecnologias maduras, perceber como é que se podem interligar e otimizar».

«A investigação será feita, com outros centros e até com outras unidades orgânicas da Universidade. No fundo, queremos que seja um projeto de aplicação mas com uma componente sobre aquilo que poderá ser feito no futuro. Por exemplo, no ano passado, colocámos uma turbina de maré que esteve a gerar energia e dados sobre as correntes da Ria Formosa. Não sabemos ainda os resultados finais, mas é algo que estamos a trabalhar com a Faculdade de Economia. Estamos realmente a procurar outras áreas que trabalhem em energias novas, de grupos de trabalho académicos e a chamá-los» para participar.
Por outro lado, uma inovação do Culatra 2030 diz respeito aos moradores. «Queremos formá-los para cuidarem dos seus equipamentos. Sentirem que são seus. A partir do momento em que as pessoas são responsabilizadas e sabem como manter, vão cuidar melhor. Isso implica capacitação, um empowerment da comunidade. Isto é um projeto para todos», conclui Cláudia Sequeira.

7 - Culatra está mais bonita, arrumada e quase legalizada




Nova praça multiusos, passadiços de praia, pavimento urbano, sombras e parque infantil são alguns dos melhoramentos implementados ao abrigo do Projeto de Intervenção e Requalificação (PIR) que os ministros Ana Paula Vitorino e João Pedro Matos Fernandes vieram conhecer. E trouxeram prendas para os culatrenses…
«A obra é o que se vê em termos de arranjo de espaço público: simples, minimal, bem feita, bem projetada e bem construída», elogiou João Pedro Matos Fernandes, Ministro do Ambiente e da Transição Energética, à sombra da nova praça central, na manhã de sexta-feira, dia 21 de junho.
Ana Paula Vitorino e João Pedro Matos Fernandes e Sílvia Padinha na Culatra
Os ministros João Pedro Matos Fernandes (Ambiente), Ana Paula Vitorino (Mar) e Sílvia Padinha, presidente da Associação de Moradores da Ilha da Culatra (AMIC).


O governante, que veio acompanhado pela homóloga com a pasta do Mar, Ana Paula Vitorino, referiu-se assim à forma como o Projeto de Intervenção e Requalificação (PIR) do Núcleo da Culatra está implementado.
Mas mais do que ver a obra, os governantes vieram trazer uma prenda há muito desejada por esta comunidade, «a atribuição de títulos a quem tem primeira habitação. Aquilo que queremos, e que provocou uma alteração à Lei da Água, é que nas áreas protegidas como esta, que é um parque natural, as atividades tradicionais se mantenham com condições de dignidade. Estas habitações, mesmo existindo há muito tempo e sendo em domínio público marítimo não tinham qualquer título e viviam numa absoluta precariedade. E aquilo que fizemos para os aglomerados consolidados com uma atividade socioambiental muito relevante, é a legalização destas casas. Temos neste momento 350 pedidos, dos quais 180 já estão despachados. Hoje vamos atribuir os primeiros 10 títulos a oito habitações e dois a equipamentos coletivos, acabando com uma situação que muito preocupava as pessoas. Este foi também um compromisso meu, que com muita honra venho cumprir, além de vir ver este espaço mais bonito e mais bem arranjado», explicou o Ministro do Ambiente aos jornalistas.
Ana Paula Vitorino, João Pedro Matos Fernandes e José Lézinho, do Núcleo dos Hangares.
Por sua vez, falou Ana Paula Vitorino, emocionada, e perante os muitos culatrenses que se juntaram para ver e ouvir os ministros.
«Culatrenses, de facto já partilhámos bons momentos em conjunto, mas nenhum como este. É o melhor em que já participei. Muito agradeço, como cidadã, a todos os ministérios que participaram nisto. Desde a primeira hora, como sabem, estou do vosso lado, estou do lado de quem defende as suas casas e o direito pleno à cidadania».
A ministra anunciou que o próximo compromisso será «instalar uma escola azul, da rede que tem reconhecimento da UNESCO e da Comissão Europeia. Para que as crianças e jovens que aqui estudam possam ter uma base da tradição dos seus pais e dos seus avós, e também o conhecimento da importância da sustentabilidade e do respeito pelo nosso território. Fica prometido».
Sílvia Padinha, Ana Paula Vitorino e José Apolinário.


Já Rogério Bacalhau, presidente da Câmara Municipal de Faro, considerou que «a requalificação do espaço público que agora estreamos é uma conquista que há muito era desejada por quem aqui vive. Devemos mostrar gratidão à (Sociedade) Polis pela obra, e à tutela que a financiou, no âmbito do PIR, pois o avanço que representa é extraordinário para a qualidade de vida destes cidadãos farenses. A deslocação de pessoas, bens e mercadorias na ilha torna-se agora mais fácil, mais confortável, mais rápida e mais segura, graças a esta requalificação».
No entanto, no seu discurso, o autarca de Faro, não se mostrou entusiasmado com a atribuição dos títulos de utilização dominial.
Um dos culatrenses que viu a sua habitação legalizada com Rogério Bacalhau, presidente da Câmara Municipal de Faro.
«Após as minhas palavras, o Estado Português vai também entregar títulos de residência a moradores da Ilha da Culatra. Não se trata, em bom rigor, da solução que a Câmara vinha defendendo – que assenta na municipalização do território, como acontece em locais bem próximos e com circunstâncias tão similares», sublinhou.
«Mas isso não tira mérito a esta solução. Estas licenças vêm consubstanciar a consagração do direito à habitação na ilha e, ainda, a observação do preceito segundo o qual são as comunidades que fazem os territórios e que estes de pouco valem se não houver uma saudável interação entre as pessoas e a terra. É isso que está a acontecer aqui, já há 200 anos, quando os primeiros pescadores para aqui vieram e começaram a construir as suas famílias. E foi isso que aconteceu em 1987, quando o povo da Culatra decidiu mudar o seu destino, através de um ato de coragem cívica que figurará para sempre em todos os compêndios da história local. E em resultado, onde antes era só areia e dificuldades, vislumbramos hoje uma comunidade sedimentada, bem alicerçada em costumes e numa economia ligada ao mar e em respeito pela preservação do ambiente», concluiu Rogério Bacalhau.
Sílvia Padinha no uso da palavra.


A resposta veio pela voz do Ministro do Ambiente. «Não consigo deixar de dizer bem de nós próprios, pois foi preciso mudar a lei para chegar aqui. Que outros o tenham dito, certamente que teriam boas intenções, mas esqueceram-se de algumas coisas. E de facto quem promoveu essas coisas em falta fomos mesmo nós», disse.
No encerramento da cerimónia, João Matos Fernandes, até parafraseou Fernando Pessoa. «Saio daqui com o coração cheio e a consciência do dever cumprido. Deus quer, o homem sonha e a obra… faz-se. Nisso, o poeta enganou-se. A obra não nasce. A obra faz-se, com muito trabalho e em prol de quem a merece, neste caso, os culatrenses».



«Um passo gigante» para os culatrenses

Ouvida pelos jornalistas, Sílvia Padinha, presidente da Associação de Moradores da Ilha da Culatra (AMIC), considerou a sexta-feira, 21 de junho, «um dia histórico. É reconhecido à população que tem mais de 150 anos de ocupação, por questões de sobrevivência, o direito a viver num espaço que é de todos, mas que também é nosso e que temos cuidado com todo o carinho. Agora, além do direito que adquirimos, temos muitos deveres também para tratar deste meio com cuidado».
Apesar de os Ministros do Ambiente e do Mar apenas terem trazido títulos de utilização dominial por um período de 30 anos para oito famílias e dois espaços coletivos, a dirigente tem esperança de ver todo o aglomerado legalizado em breve.

«Os 350 pedidos foram todos feitos na mesma altura e o processo terminou no final de abril. Todos conseguiram submeter, dentro do prazo estipulado, o pedido para reconhecimento da habitação. Ainda não houve recusas. Estamos a acompanhar, a par e passo, queremos que se faça justiça», disse, otimista.
Este é «um primeiro passo, um reconhecimento de que as populações locais fazem parte do meio. Antes eram tratadas como intrusos, neste momento estão a ser incluídas, de forma a preservar e a defender o meio onde vivem. Isso para nós é um passo gigante».

Lar é obra urgente

Ouvida pelos jornalistas, Sílvia Padinha, presidente da Associação de Moradores da Ilha da Culatra (AMIC), explicou que o mais urgente agora é a construção de um lar residencial. «Atualmente, a doença do século XXI que está a atacar os culatrenses e não só, é o Alzheimer. Os nossos avós, têm de ser entregues num lar em Olhão porque não temos condições de os ter cá. Nos últimos cinco anos, neste universo de 350 famílias, temos 10 casos de pessoas que têm de ser entregues a um lar porque as famílias não têm condições para os ter em casa. É um sentimento que não estávamos habituados e que estamos agora a lidar», disse.
O primeiro passo já foi dado com a a licença atribuída na sexta-feira, dia 21 de junho.
«O Centro Social tinha um projeto, mas não podia avançar com a obra, porque não tinha a titularidade do espaço. Hoje, com a titularidade, pode pedir financiamento para avançar» que deverá custar cerca de 500 mil euros.

Culatra 2030, rumo à autossuficiência energética

Em declarações aos jornalistas a Ministra do Mar Ana Paula Vitorino disse que «talvez em todo o país» o projeto Culatra 2030, seja «o mais interessante que conheço pela luta por um território sustentável».
A governante manifestou a disponibilidade da sua tutela em apoiar medidas que se enquadrem na Agenda para a Transição Energética do governo.
«Temos vários programas que podem apoiar. No que diz respeito ao Ministério do Mar, considerando que esta é uma comunidade costeira e piscatória, onde temos a possibilidade de apoiar em matéria de inovação tecnológica e inovação energética, através do Mar2020 para a área da pesca e da aquacultura e para projetos específicos ao nível das embarcações» elétricas. A comitiva teve aliás, a oportunidade de viajar no novo catamarã elétrico CAT12.0, fabricado em Olhão.
«Temos muito orgulho em ter empresas como a SunConcept que fez a embarcação que nos trouxe aqui, sem gasóleo, nem ruído, sem prejudicar os ecossistemas e sobretudo as comunidades de cavalos-marinhos» disse a ministra, que gostaria de ver, num futuro breve, uma carreira regular de transporte de passageiros entre as ilhas-barreira 100 por cento elétrica. Uma visão corroborada por Sílvia Padinha, presidente da Associação de Moradores da Ilha da Culatra (AMIC).
«Até 2030 temos uma missão de transição energética, de transformar a Culatra numa ilha sustentável que, possa servir de exemplo a outros. A comunidade e a população estão de braços abertos. Primeiro precisamos de saber como se faz e quais os hábitos que temos de mudar. Neste momento estamos a avançar com um diagnóstico participativo em que, a comunidade está a ser ouvida para podermos definir a estratégia», detalhou.


«Queremos, por exemplo, ter uma escola autónoma a nível energético. Começar com as casas de habitação, uma vez que vamos ter de alterar os telhados devido à questão do amianto. Podemos substituir por telha fotovoltaica, por exemplo. Mas queremos mais, queremos que a legislação permita que todos aqueles que têm possibilidade de fazer essa transição mais rápida, possam ajudar aqueles que não a tenham. Trabalhar em rede e partilhar os recursos», explicou a dirigente aos jornalistas na sexta-feira, dia 21 de junho.

Culatra cresceu três quilómetros em 70 anos

Apesar de estudos recentes darem conta que o futuro não é risonho para as comunidades costeiras, uma vez que se prevê a subida do nível médio da água do mar, em cerca de um metro, o que coloca em risco comunidades como esta, Sílvia Padinha, presidente da Associação de Moradores da Ilha da Culatra (AMIC), desvaloriza o prognóstico.




«Esta comunidade está numa zona de Parque Natural da Ria Formosa, numa ilha-barreira, que tem vindo a aumentar, ao contrário de outros locais. A barra Faro – Olhão vai trazendo os sedimentos de poente para nascente, o que faz com que a Culatra tenha crescido nos últimos 70 anos, em cerca de três quilómetros. Isso não quer dizer também que, a preocupação não seja tida em consideração. Essa é uma preocupação não só da Culatra, mas do mundo inteiro. Se fizermos todos alguma coisa e, se fizermos todos algo pela mudança, não boicotará o nosso futuro. O ser humano é o único que tem essa capacidade. Por alguma razão, os pescadores escolheram a Culatra para se fixarem há 150 anos. É a zona mais estável das ilhas barreiras da Ria Formosa. Essa será uma medida a longo prazo. Todo o litoral terá de repensar quais são as medidas necessárias. Deveríamos olhar para as soluções apresentadas e a curto prazo começar a implementá-las».